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Interações entre medicamentos imunossupressores e nutrientes: uma revisão bibliográfica (página 5)

5 Discussão

O número de transplantes vem crescendo significativamente nos últimos anos e como consequência, o interesse pela terapia imunossupressora com melhores resultados e menos efeitos indesejáveis também vem ganhando espaço (SILVA et. al, 2011).

A fim de se evitar a rejeição do novo órgão, o tratamento com agentes imunossupressores é fundamental para todos os pacientes transplantados. A terapia imunossupressora tripla é mais comumente utilizada, incluindo glicocorticoides, ciclosporina ou tacrolimos e azatioprina e micofenolato (KULAK et. al, 2006).

Os inibidores da calcineurina, cujos representantes são a ciclosporina e o tacrolimos, são os agentes imunossupressores mais utilizados atualmente em pacientes submetidos a transplante (principalmente o transplante renal). A calcineurina é uma fosfatase cálcio-dependente responsável pela transcrição da interleucina 2 (IL-2), principal citocina envolvida na resposta imunológica mediada pelo linfócito T. As drogas agem, portanto, inibindo a produção de IL-2, bloqueando desta forma os mecanismos envolvidos na rejeição celular aguda (GAMA FILHO et. al, 2010).

Segundo Chaves et. al, (2008), a ciclosporina, descoberta na década de 1970, foi um verdadeiro marco na obtenção de imunossupressão clínica. Atualmente, este medicamento pertence à primeira linha terapêutica em transplantes.

A ciclosporina é um fármaco extraído do fungo citoplasmático Tolypocladium Inflatum, e o seu tratamento foi associado com menor custo e maior eficácia em comparação com o tacrolimos, complementa Júnior et. al, (2015).

No entanto, apesar da sua utilidade clínica significativa, estudos comprovam que a utilização da ciclosporina é dificultada pelo desenvolvimento de hipertensão e nefrotoxicidade, é o que afirma Yeboah et. al, (2016).

A nefrotoxicidade é um importante obstáculo clínico relacionado com a imunossupressão dos inibidores da calcineurina, sendo muitas vezes, responsável pela interrupção do tratamento (DIAS et. al, 2015).

De acordo com Henriques et. al, (2012), a hipercolesterolemia é particularmente importante na farmacocinética da ciclosporina, isso por que o fármaco é altamente lipofílico e se liga as células sanguíneas e as proteínas plasmáticas.

Além disso, Felix et. al, (2011), relata que animais tratados com ciclosporina apresentaram uma perda de peso estatisticamente significativa, iniciada na primeira semana após a administração do fármaco, sugerindo uma indução acelerada de caquexia.

O tacrolimos é considerado uma alternativa em relação à ciclosporina, ele possui estrutura macrolídica originalmente isolada da cultura de Streptomyces tsukubaensis. Seu efeito imunossupressor é mediado pela sua ligação a uma proteína citosólica (FKBP12) responsável pela sua acumulação intracelular (MORBRA et. al, 2011).

A dislipidemia, caracterizada pelo aumento de colesterol total e triglicerídeos, é outra reação adversa comum de vários imunossupressores, incluindo os inibidores de calcineurina (COELHO et. al, 2009).

Silva et. al (2011) realizou um estudo com Vitis Vinifera L, umfitomedicamentoquecontém proantocianidinas oligoméricas, espécie de flavonoides encontrada no vinho, que demonstrou efeito renoprotetor (efeito que atenua a nefrotoxicidade de fármacos não substituíveis) significativo sobre a nefrotoxicidade induzida pelo Tacrolimos. Esse efeito proporcionado pela Vitis vinifera L pode estar relacionado ao sequestro de radicais livres, à inibição da peroxidação lipídica, ou ainda, à atuação nessas duas vias.

Em relação aos efeitos indesejáveis desses medicamentos, as vitaminas A e C também demonstraram efeito renoprotetor. Por serem antioxidantes, elas agem sob a ação pró-oxidante dos inibidores de calcineurina por meio da peroxidação lipídica (SILVA et. al, 2011).

Kulak et. al (2006), concluiu que administração de ciclosporina e tacrolimos, desempenham papel significante no mecanismo de perda óssea, isso ocorre devido ao efeito nefrotóxico e o declínio associado à função renal, por esse motivo, recomenda-se que todos os pacientes candidatos à transplante, recebam uma dose diária de cálcio (1000-1500 g/dia) e vitamina D (400-800 UI/dia).

No mesmo sentido, Moura (2002), alerta que a ciclosporina danifica a mucosa intestinal, por esse motivo, destaca-se a importância de restabelecer essa mucosa, já que esse processo diminui a absorção de cálcio, sendo necessária a suplementação dietética para reverter as condições nutricionais normais do paciente. Além disso, o metabolismo da vitamina D, cálcio e fosfatos está inter-relacionado, ou seja, a deficiência de uma destas substâncias poderá conduzir a anormalidades metabólicas, caracterizando má absorção secundária.

Peixoto et. al (2012), ressalta que medicamentos que agridem a mucosa gastrintestinal devem ser ingeridos próximos às refeições, possibilitando aumento de sua absorção e possível desconforto, além disso, cuidados com o intervalo de tempo entre a ingestão de medicamentos e alimentos são determinantes na terapia, pois podem afetar principalmente a absorção dos mesmos.

Ribeiro et. al (2011), realizou um estudo em pacientes submetidos ao transplante hepático e comprovou que a utilização de ciclosporina, em detrimento do uso de tacrolimos, esteve associada ao maior percentual de risco de desenvolvimento de efeitos cardiovasculares. Isso pode ser explicado pela influência desse medicamento sobre a pressão arterial, sendo a ciclosporina considerada mais hipertensiva que o tacrolimos.

Coelho et. al (2009), descreve ainda, que muitos autores consideram o uso da ciclosporina como o principal fator que aumenta a incidência de litíase biliar em pacientes no pós transplante, sugerindo que a hipertrigliceridemia e hipercolesterolemia secundárias ao uso dessa classe de imunosupressores possam desempenhar papel importante na formação da litíase biliar nesses pacientes.

Outro imunossupressor frequentemente utilizado é o sirolimos, pertencente a classe dos inibidores de mammalian target of rapamycin (mTOR, alvo da rapamicina em mamíferos), foi introduzido para uso clínico em transplantes de órgãos em 1999, trata-se de um agente hidrofóbico que tem biodisponibilidade rápida (NGUYEN; SHAPIRO, 2014).

Os inibidores de mTOR inibem a ativação e a proliferação de linfócitos T, que ocorrem em resposta ao estímulo de antígenos e de citocinas, ligando-se à proteína FKBP-12 para formar um complexo imunossupressor (FREITAS et. al, 2015).

O sirolimos, foi aprovado pela Food and Drug administration (FDA) dos Estados Unidos, sendo considerado o único inibidor de mTOR com ampla utilização na terapia de manutenção no transplante renal, é geralmente indicado após a alta hospitalar (YANIK et. al, 2014).

Geissler et. al (2016), realizou um estudo em dois grupos de pacientes no pós-operatório de transplante hepático, onde um grupo realizou tratamento com sirolimos e outro recebeu terapia imunossupressora com inibidores de calcineurina, os dois grupos apresentaram hiperlipidemia, dislipidemia e hipercolesterolemia, porém, o grupo que recebeu sirolimos, obteve um número bem maior de indivíduos acometidos.

Por outro lado, além da hiperlipidemia, o sirolimos pode acarretar proteinúria e interferir sobre o controle do metabolismo de carboidratos e lipídios, podendo aumentar a incidência de diabetes mellitus após o transplante (OLIVEIRA et. al, 2009).

Júnior et. al (2016), considera que, mesmo o tacrolimos sendo indicado como um dos imunossupressores mais apropriados para transplante hepático, ele traz efeitos adversos que podem causar outras complicações ao paciente, como o desenvolvimento de diabetes mellitus.

Alguns estudos registraram que o uso de imunossupressão tripla com ciclosporina, tacrolimos e sirolimos causou uma diminuição significativa na depuração da creatinina. Já outros autores demonstraram que o tacrolimos isolado induziu um aumento significativo na creatinina sérica após 28 dias de tratamento (DIAS et. al, 2015).

O everolimos, medicamento inovador na terapia imunossupressora, também tem sido indicado com frequência. Trata-se de um derivado do sirolimos, por isso possuem mecanismos de ação bem semelhantes. Porém, o everolimos possui algumas vantagens em relação ao sirolimos, ele é mais hidrofílico e possui maior disponibilidade (NGUYEN; SHAPIRO, 2014).

Entretanto, Eisen et. al (2013), avaliou dois grupos de pacientes, um em uso de everolimos e outro com micofenolato mofetil, o grupo que recebeu everolimos obteve níveis médios de colesterol total significativamente maiores do que o outro grupo que utilizou micofenolato. Além disso, nos 12 (doze) primeiros meses de experimento, a proteinúria também foi maior no grupo tratado com everolimos.

O micofenolato mofetil (MMF) foi introduzido no mercado norteamericano em 1995 e no mercado brasileiro em 1998, é considerado uma pró-droga esterificada do ácido micofenólico (MPA), seu uso em combinação a outro imunossupressor da classe dos inibidores de calcineurina está associado a excelentes resultados de eficácia a curto e longo prazo. Porém, o MMF pode gerar efeitos adversos gastrointestinais, podendo assim, limitar a qualidade de vida dos pacientes e sua adesão ao tratamento (SILVA FILHO et. al, 2015).

Outra classe de medicamentos muito utilizada na terapia imunossupressora são os glicocorticóides, trata-se de esteróides lipofílicos, com biodisponibilidade entre 60 e 100 % quando administrado por via oral. Eles reduzem a exposição antigênica ao sistema imune, diminuindo a liberação de citocinas pró-inflamatória e a eficiência da eliminação do agente agressor e células infectadas. Durante a corticoterapia, existe uma extensa lista de efeitos colaterais, como por exemplo: intolerância à carboidrato (resistência à insulina, hiperinsulinemia, tolerância à glicose anormal, diabetes mellitus) e osteoporose (LONGUI et. al, 2007).

Kulak et. al (2006), descreve em um estudo retrospectivo em pacientes com doença pulmonar parenquimatosa difusa, candidatos à transplante pulmonar, onde revelou que aproximadamente 70% tinham baixa densidade óssea antes do transplante e 13% preenchiam os critérios da OMS para desenvolver osteoporose. Isso esta relacionado a uma prévia terapia com glicocorticoides antes do transplante.

Dentre os glicocorticóides de origem sintética mais conhecidos, destaca-se a prednisona. É considerada um agente com potência intermediária e é convertida no fígado para sua forma ativa, a prednisolona (SOBRADO et. al, 2016).

Secundo et. al (2008), avaliou a prevalência de dislipidemia e diabetes mellitus em pacientes submetidos a transplante renal em seu primeiro ano de evolução e relatou que as taxas de dislipidemia foram maiores do que as de diabtes mellitus, isso por que todos os pacientes estavam em uso de prednisona, considerado o imunossupressor que mais altera o metabolismo dos lipídeos.

Além disso, a prednisona reduz a absorção de vitaminas A, C, B6, ácido fólico, cálcio, potássio, fósforo e magnésio e também aumentam a excreção de Vitaminas C, B6, potássio, zinco e tiamina. A recomendação nutricional, neste caso, é aumentar a ingestão de frutas nos intervalos das refeições e evitar o consumo de leites e derivados após refeições que contenham ferro (LOPES et. al, 2013).

Contudo, a introdução de altas doses de glicocorticóides e inibidores de calcineurina, bem como a ciclosporina e tacrolimos, está relacionada com a rápida perda óssea durante os primeiros seis meses de transplante, conclui Kulak et. al, (2006).

Morbra et. al (2011), conclui que o uso contínuo de medicamentos imunossupressores requer monitorizações sanguíneas regulares, para efetuar ajustes individuais e manter níveis sanguíneos estáveis suficientes para prevenir a rejeição e ao mesmo tempo, abaixo do limiar tóxico, para evitar os efeitos adversos.

Heldt & Loss (2013) trazem algumas recomendações que podem ser determinantes na interação medicamento-nutriente, como por exemplo, verificar a via de administração, a dose e o tempo de administração dos medicamentos em relação à nutrição, assim como suas características físico-químicas e a sua forma de apresentação.

Da mesma forma, Jacomini et. al (2011), alerta os profissionais de saúde sobre um dos passos do guia da boa prescrição que é conhecer o potencial de interação da droga, seja com alimentos ou outros compostos.

Sendo assim, é indispensável à ação da equipe de saúde multidisciplinar, devendo ser feita avaliação criteriosa não somente acerca dos medicamentos administrados, mas também em relação à dietoterapia através dos dados da avaliação nutricional e da interação com os fármacos utilizados, atentando para os horários dos medicamentos e das refeições (PEIXOTO et. al 2012).

  

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